Era uma vez um taxista que tinha três filhos.
Certo dia, quando sentiu que estava quase a morrer, quase a morrer, quase a morrer, chamou-os ao seu leito para lhes dizer que ia repartir por eles todos os seus bens.
Ao mais velho deu o Mercedes 220 CDi, ao do meio deu os fios de ouro, os aneis, as pulseiras e a unhaca, que ainda conservava um leve aroma a torresmos do Cais do Sodré, e ao mais novo deu o gato.
De tão pouco que lhe calhou, ficou muito, muito triste. Não é que os bens materiais lhe interessem - não!, jamais, até porque se assim fosse, ele não podia ir para o céu. Mas - co'a breca -, a porra de um gato?
O pai foi para o céu. Quando o filho mais novo foi buscar o gato, o animal vira-se para ele e diz, como quem pede uma torrada e um galão:
- Dá-me uns chinelos de enfiar no dedo e um saco de plástico.
O rapaz ficou escanifobético. Ele já tinha ouvido dizer que o Manuel Monteiro tinha um partido, mas um gato a falar era novidade. A parvalheira era tal que obedeceu estupefacto ao seu pedido, tanto que a seguir desatou a imitar - assim do nada - a o novo clip da J Lo. Inclusivamente consta que pegou na vassoura da marquise e fez de conta que era uma bengala.
No dia seguinte, lá foi à sua vidinha de pessoa humilde, e aproveitou para satisfazer os pedidos do gato. Depois de ter ido ao pãozinho, ao peixinho, à frutinha, ao leitinho e ao Lucky Strike, passou pelos ciganos para comprar uns chinelos Zico. Depois, deu um saltinho ao Minipreço a ver se conseguia desenrascar um saco de plástico às senhoras da caixa.
- Bom dia, Dona Leocádia. Olhe, posso tirar só um saquinho ... se fáxavôr?
- Tire, tire - disse a senhora do supermercado com aquele sorriso cândido, fraterno, bondoso, enquanto pensava «Sai ao pai, é mesmo forreta o c*br** do filho do taxista!»
O filho do taxista regressou a casa. O gato lá calçou o seu chinelinho bem bonito - seria a imagem perfeita se tivesse as unhas dos pés cortadas -, pegou no saco - um pouco transtornado, é certo, porque os sacos do Minipreço diz-se que não duram nada, que não duram nada, que não duram nada e que começam a descolar na parte de baixo e enquerquilham bastante nas pegas, de maneiras que o gato ficou um tanto ou quanto aborrecido - e trá-lálá, trá-lalálá foi bairro fora.
Como era um miau-miau muito maroto, muito esperto, muito traquina, não demorou muito a roubar um auto-rádio, que pôs dentro do saco.
Com o pesado saco na mão - porque o gato também tinha conseguido ficar com a caixa de CD's -, dirigiu-se a casa de um respeitado empreiteiro de obras lá do bairro, até porque era ele que dava emprego a metade do bairro e disse:
- Sôr Engenheiro, venho da parte do meu patrão, o Dr.Carabás, e de maneiras que «le» trago este lindo auto-rádio para a sua Ford Transit de 9 lugares de presente.
O empreiteiro ficou muito, muito impressionado e contente com aquela bonita atitude e respondeu:
- Diz ao teu patrão que lhe agradeço muito.
Daí em diante o gato repetiu aquele gesto várias vezes, levando vários presentes ao empreiteiro e dizendo sempre que era uma oferta do seu "patrão".
Um dia, diz o gato ao dono:
- Senhor, tome banho neste rio que eu - mesmo só naquela, da amizade - vou mudar a sua vida.
O gato esperou que a Ford Transit de 9 lugares de engajar pessoal para as obras passasse junto ao rio onde o seu dono tomava banho e pôs-se a gritar como se não houvesse amanhã:
- Ajudem-no! Socorro! Ai. Socorro! Ui. O meu patrão, o Dr. Carabás, está a afogar-se! Oh. Martírio. Oh, mil infâmias. Oh, terrível destino.
O empreiteiro parou imediatamente a Ford Transit de 9 lugares e ajudou-o logo, dando-lhe belas roupas e convidando-o a passear com ele e com a filha.
O gato - muito maroto, muito esperto, muito traquina - de surra, desatou então a correr à frente da carrinha. Sempre que via alguém, pedia-lhes que dissessem que trabalhavam para o Dr.Carabás.
O empreiteiro estava cada vez mais impressionado!
O gato chega por fim ao castelo do gigante, onde todas as coisas eram grandes e magníficas. Ele era o jardim, ele era a garagem, ele era o sofá, ele era o ecrã plasma do tamanho da parede, ele era o PowerMac a 4GHz, ele era a sanita, ...
De maneiras que o gato pediu para ser recebido pelo gigante. Pergunta-lhe:
- É verdade que consegues transformar-te num animal qualquer?
- É! disse o gigante.
Então o gato pediu-lhe - sáxavôr, porque estamos perante um gato, pá, que, sim senhor, é bem inducado - que se transforme num rato. E plim.
Nisto, o gato saltou para cima do rato e, e, e, e, e - catrapimba - papou-o. Clep, clep, ai que monstro tão bom, e não sei quê, e nisto, o empreiteiro, a princesa e o filho do taxista, o "Dr.Carabás" chegam ao castelo do gigante, onde são recebidos pelo gato:
- Sejam bem vindos à propriedade do meu amo!, diz o gato, por entre dois arrotos.
O empreiteiro nem queria acreditar no que os seus olhos viam.
- Ena. Tanta riqueza. estou impressionado. Tem que casar com a minha filha, Dr. Carabás - diz o empreiteiro.
E foi assim que, graças ao seu gato, o filho de um taxista casou com a filha do empreiteiro.
Era feia que nem vos digo.
FIM
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